Nota de Esclarecimento: ABIA/GTPI se posiciona sobre a atualização do tratamento antirretroviral no Brasil




A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), que coordena o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), realizou recentemente uma oficina junto ao público do XVIII Encontro Nacional de ONGs/AIDS (ENONG), realizado em Campo Grande (MS) de 9 a12 de dezembro de 2015 para tratar do tema “atualizações sobre tratamento antirretroviral para o HIV/AIDS”. A ideia era promover uma discussão sobre as atuais opções de tratamento no Brasil e no resto do mundo. Esta oficina foi alvo de matéria publicada na Agência de Notícias da Aids no dia 10 de dezembro de 2015. Perante as reações desencadeadas pela matéria, a ABIA/GTPI vem por meio desta nota trazer alguns esclarecimentos. Assim como todas as ações realizadas pela ABIA, esta oficina teve por objetivo a democratização da informação e o estímulo à mobilização social. Estes elementos estão no DNA da ABIA e se refletem em todas as suas incidências políticas.
O tema do tratamento antirretroviral sempre gerou debates acalorados e polêmicos, marcados pelos posicionamentos das partes interessadas no assunto. Justamente por isto, a ABIA/GTPI nunca mediu esforços para que a sociedade civil desenvolvesse seus próprios pontos de vista, não necessariamente idênticos aqueles da indústria, da classe médica, do governo ou de agências internacionais. Mais ainda, a ABIA/GTPI acredita que a perspectiva dos pacientes deve prevalecer, partindo do entendimento de que o tratamento é muito mais do que uma técnica biomédica, pois abrange a efetivação de direitos humanos e a aplicação prática de princípios do sistema público de saúde brasileiro.
Assim como vivemos um momento de grandes novidades terapêuticas, vivemos também uma era de metas globais ambiciosas, que falam em erradicação da epidemia de AIDS em poucos anos. Embora sejam bem vindos os esforços no combate ao alastramento do vírus, acreditamos que o que deve orientar as diretrizes de tratamento é acima de tudo a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/AIDS. Se é comum ouvirmos que o vírus não conhece fronteiras, ou divisões de raça, gênero e classe social, o mesmo deveria ser verdade para a oferta dos tratamentos mais toleráveis e com menos efeitos adversos.
No Brasil hoje o tratamento inicial é feito com o medicamento “3 em 1” (composto por Fumarato de Tenofovir, Lamivudina e Efavirenz em um único comprimido). Dados do Ministério da Saúde indicam que 74% das prescrições para aqueles que iniciam o tratamento receitaram este regime. Também é intenção do MS iniciar 190 mil pessoas em tratamento até 2020, utilizando este regime. Trata-se de um amplo investimento nesta opção terapêutica, ancorado na percepção de que ele tem baixo custo, é efetivo e fácil de tomar. No entanto, nós defendemos que as evidências mais relevantes são sempre as vivências das pessoas. Desde o início do ano, temos recebido de PVHA e de profissionais da saúde diversos relatos de efeitos colaterais severos associados ao “3 em 1”, dificuldades das pessoas para conseguir mudança de terapia, mesmo quando relatam esses efeitos colaterais, além de casos de abandono do tratamento.
A oficina no ENONG corroborou esta percepção, com muitos relatos semelhantes vindos da plateia. Não podemos ficar alheios a esses fatos e temos que perguntar: Para aqueles que enfrentam dificuldades com esta terapia, que alternativas existem? Cabe lembrar também que o 3 em 1 está longe de ser uma novidade, foi registrado em 2006 e já foi solicitado diversas vezes pela sociedade civil brasileira desde então. Essas demandas, nos últimos oito anos, nunca contaram com resposta efetiva do governo ou com amparo de agências internacionais, o que por si, já demonstra como as demandas da sociedade civil em questões de acesso a medicamentos são tratadas. O “3 em 1” só foi enfim incorporado em 2014. Ao registrar as reclamações dos usuários desta terapia, a ABIA/ GTPI orgulha-se de ter providenciado um espaço para esta finalidade. Uma consequência disto seria que serviços de saúde afinem a escuta e o registro; mas em caso algum estas de mandas e reclamações podem ser ignoradas.
Ao analisar diretrizes de outros países observamos o uso crescente de inibidores de integrase no tratamento inicial.  Essa opção tem a ver com o baixo perfil de toxicidade dos medicamentos desta classe e com sua efetividade na redução da carga viral, propiciando assim maior adesão e menores custos de longo prazo para os sistemas de saúde para tratar os efeitos colaterais. Nesse ponto cabe lembrar que os efeitos adversos provocados pelo tratamento antirretroviral nem sempre são devidamente cobertos pelo SUS; portanto, neste contexto, estabelecer um tratamento mais benigno seria uma forma de respeitar melhor o princípio da integralidade da atenção a saúde, além de promover a adesão daqueles que necessitam de diferentes tratamentos.
Estamos cientes de todas as barreiras comerciais e políticas que circundam os novos medicamentos, mas isto se trata apenas da história repetindo a si mesma e é nossa missão social impedir que erros do passado voltem a assombrar a luta contra a AIDS. Não é o momento de vermos novamente o mundo dividido entre regimes para países ricos e regimes para países pobres. Se existe uma lição central da resposta global à epidemia de AIDS é a de que não existe barreira que não possa ser derrubada quando se trata do acesso a medicamentos e à garantia da saúde. Se os novos medicamentos não podem ser usados em ampla escala porque o custo é muito alto, não são os pacientes que devem se resignar a regimes subótimos e sim os governos que tem que encontrar a coragem política para reduzir tais preços em prol de sua população. Idêntico posicionamento é necessário para os tratamentos de Hepatite C e de câncer, por exemplo, que atravessam situação semelhante.
Para muitos desses inibidores de integrase, já existem no horizonte a possibilidade da produção de versões genéricas. No entanto, acordos de licenciamento que reforçam estratégias de segmentação de mercado das multinacionais farmacêuticas fazem com que países de renda média – em especial os países latino-americanos – sejam excluídos sistematicamente do acesso a esses genéricos e vejam reduzido seu poder de negociação de preço. Este cenário de extrema desigualdade só reforça nossa tese de que o governo brasileiro, assim como outros governos em igual situação, devem usar de forma ampla e frequente as medidas de defesa da saúde presente em suas leis de e ampliar o leque dessas medidas por meio da revisão de suas leis de patente.  Por último, reafirmamos que as questões relacionadas ao acesso a medicamentos devem ser enfrentadas como questões de direitos humanos.  Nesta perspectiva, a qualidade do tratamento é um direito de todos, e a sua falta não pode ser aceita como legítima, só porque as pessoas vivem em países menos ricos.
Feitas estas considerações esclarecemos que o nosso posicionamento é:
  1. O governo deve atualizar as diretrizes de tratamento, conforme determina a lei 9313, e nesta atualização incluir regimes com inibidores de integrase como opção para tratamento inicial, conforme já estabelece o consenso internacional (DHHS dos EUA, GeSIDA, EACS, BHIVA, IAS, OMS).
  2. Demandamos a criação de um sistema nacional de monitoramento de efeitos adversos da terapia antiretroviral, que seja composto de canais simples e efetivos para colher relatos de pacientes e que seja capaz de sistematizar e divulgar os dados obtidos com periodicidade. Tais dados devem embasar futuras decisões sobre atualizações nas diretrizes de tratamento
  3. Exigimos o estabelecimento de metas de redução de preços de medicamentos de AIDS tendo como referencia sempre os menores preços internacionais; bem como o estabelecimento de estratégias para alcançar essas metas que envolvam o uso de medidas de proteção à saúde previstas em lei.
  4. A inclusão da sociedade civil organizada para acompanhar os processos de compra de medicamentos e de atualização de diretrizes e protocolos terapêuticos para o HIV/AIDS.
ABIA – Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. A missão da ABIA é atuar no enfrentamento da epidemia do HIV e da AIDS a partir da perspectiva dos direitos humanos, com base nos princípios da solidariedade, da justiça social e da democracia. A visão da instituição é Ser um Observatório crítico das determinantes sociais da epidemia de HIV e da AIDS e das respostas políticas e mobilizações coletivas no contexto nacional e internacional. Mais informações em:  http://abiaids.org.br
GTPI – O GTPI/Rebrip é um coletivo de organizações da sociedade civil, movimentos sociais, ativistas e pesquisadores, coordenado pela ABIA, formado em 2003 e com atuação no tema da propriedade intelectual e acesso à saúde no Brasil. O GTPI atua a partir de uma perspectiva de interesse público, trabalhando no sentido de mitigar o impacto negativo das patentes na garantia de acesso da população a medicamentos e na sustentabilidade de políticas públicas. Mais informações em: www.deolhonaspatentes.org.br.
20/12/2015 - 20:22

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