Em dia com a saúde



O aumento da expectativa de vida dos soropositivos brasileiros é uma realidade incontestável. Mas não basta estar vivo. Os pacientes hoje precisam lidar com outros obstáculos, impostos pela ação do HIV, dos medicamentos antirretrovirais e do próprio envelhecimento. Questões como diabetes, alterações ósseas, aumento do colesterol e dos triglicérides estão cada vez mais presentes na rotina de quem vive com a doença. Muitos ainda enfrentam a lipodistrofia, que impacta diretamente a adesão ao tratamento e a autoestima. Nesse cenário, como promover a qualidade de vida dessas pessoas, contemplando o bem-estar físico, mental e psicológico?

A resposta não é simples, mas trabalhos como o realizado pelo Centro de Referência de DST e Aids de Campinas (SP) mostram que é possível se aproximar do cuidado integral quando há disposição e criatividade. Lá, as pessoas que vivem com HIV podem desfrutar do Espaço CR, que conta com academia de musculação, aulas de vôlei, grupo de caminhada, shiatsu, yoga, movimento vital expressivo e orientação nutricional direcionada – tudo disponível na rede pública de saúde municipal.

José Victor Moreira é uma prova dos benefícios dessa iniciativa. Aos 57 anos de idade e sabidamente infectado pelo HIV desde 1998, viu sua vida mudar depois que começou a frequentar assiduamente o serviço. As taxas de triglicérides, colesterol e glicose, que eram altas em 2009 – 335 mg/dl, 154 mg/dl e 108 mg/dl, respectivamente – caíram ao longo do tempo e hoje estão controladas: 151 mg/dl, 133 mg/dl e 98 mg/dl. “O grupo faz com que eu me sinta vivo. Não me pergunto mais por que sou soropositivo, por que isso tinha que acontecer comigo, e, sim, como faço para melhorar minha qualidade de vida”, relata.

Com a saúde equilibrada, nem um câncer de próstata o desestabilizou. Quando descobriu o tumor, em 2010, recebeu um cardápio individualizado para responder melhor à radioterapia e sua recuperação surpreendeu até o oncologista que o acompanhava. “Ele ganhou 2 kg no final do tratamento, um caso raro nesse tipo de situação, quando geralmente há perda de peso”, relata Nacle Nabak, nutricionista e coordenador do Espaço CR.

A prática regular de exercícios físicos, aliada à dieta nutricional balanceada, tem feito com que os usuários do serviço de aids de Campinas mantenham o peso e o índice de massa corporal (IMC) adequados. É o que acontece com Maria Izabel da Fonseca, 61 anos de idade, 54 kg e IMC de 21,8 – medidas invejáveis até para muitas jovens. Ela segue a orientação médica do tratamento antirretroviral, caminha regularmente e se alimenta bem. “Na minha cabeça, tenho 20 anos”, confessa. No caso dela, a descoberta do HIV foi uma mola propulsora para o cuidado com a saúde. “Depois da tempestade da notícia de que estava infectada, resolvi que eu seria primeiro lugar em tudo”.

Maria Izabel é uma das pioneiras do grupo de caminhada e acabou se tornando uma espécie de multiplicadora de saúde. Além de lidar bem com a revelação do diagnóstico, convida outros pacientes para participar das atividades físicas oferecidas pelo serviço. Comunicativa, sempre é indicada para dar entrevistas sobre o tema.

Suporte emocional – Para conseguir superar as dificuldades, as pessoas que vivem com HIV contam com o apoio psicossocial que o grupo oferece. Essa ajuda vem não só do psicólogo e do psiquiatra que compõem a equipe multiprofissional, como da troca de experiências que essas atividades proporcionam. “Faltava sentido e direção para a minha vida. Hoje sinto que não estou mais sozinho. Isso me ajuda a trabalhar angústias e ansiedades”, comemora José Victor.


O Espaço CR virou mais do que um ambiente de promoção de atividades físicas. “É um local de convivência, com foco na saúde. Algumas pessoas vêm aqui só para conversar”, relata Nabak. O coordenador do serviço sabe o que está falando. Ele acompanha vários pacientes que só conseguiram resgatar a autoestima e se reinserir na sociedade após o contato com o grupo. Roseane Ferreira é uma delas. Quando tinha 25 anos de idade, durante a gestação, descobriu que tinha o vírus da aids. Para Roseane, casada e sem nenhuma situação de risco aparente, foi um choque receber essa notícia. Naquela época, desistiu dos projetos pessoais e ainda teve que lidar com o preconceito. “Durante o trabalho de parto, fui isolada na maternidade e a minha filha quase morreu porque não queriam colocar a mão em mim”, lembra.

Cerca de 10 anos depois, quando já tinha até desistido da vida profissional, conheceu o trabalho do Centro de Referência e conseguiu retomar alguns sonhos. Após passar por três cursos de graduação e não terminar nenhum, iniciou a faculdade de pedagogia, com término previsto para o fim de 2012. Na área sentimental, a estudante também está feliz. Perdeu o medo de se relacionar e, há um ano, namora Carlos Barreiros, soronegativo. A filha, que agora está com 14 anos, não tem o vírus – um estímulo a mais para a mãe, que passou a lutar com vigor pela vida. “Essas pessoas (do Espaço CR) foram fundamentais no meu processo de retomada”, observa.

Suor e criatividade – O impacto que a rede de convivência promove alcança não só os usuários, como também a equipe técnica. Wendell Leme, técnico do centro de referência de aids e atual treinador de vôlei da equipe do CR, aprendeu muito sobre relacionamentos interpessoais. Por ser jogador profissional há aproximadamente 20 anos, vivia sob tensão, era impaciente e cobrava muito dos outros. “Aqui é diferente. As pessoas respeitam o espaço e as limitações de cada um e ainda estendem a mão para te mostrar um caminho”, conta. Ele foi convidado a ensinar regras do esporte e acabou recebendo lições de vida. “Quando acordo de manhã e não estou legal, venho para cá e esqueço tudo. Eles me ensinam a dar a volta por cima”.

A estrutura para o desenvolvimento das atividades físicas e nutricionais é modesta. O diferencial é o engajamento de profissionais e pacientes. O espaço para montar a academia foi cedido pela prefeitura de Campinas. Os equipamentos – esteiras, bicicletas ergométricas, barras e pesos – foram adquiridos com recursos (R$ 40 mil) de prêmio concedido ao projeto Grupo de Caminhada Atlética CR, em 2007. Para o vôlei e a caminhada, são utilizados espaços públicos da cidade (geralmente os treinos ocorrem no Parque Lagoa do Taquaral, situado na região leste da cidade).

Shiatsu, yoga e movimento vital expressivo também acontecem no espaço da academia. As atividades fazem parte da Quinta Zen, um dia criado quase por acaso: no ano passado, alguns equipamentos de musculação quebraram e não havia verba para consertá-los. Para que os encontros não fossem interrompidos, surgiu a Quinta Zen. “Fazemos adaptações para o trabalho não parar”, explica Nacle Naback. A ideia deu tão certo que foi incorporada à agenda permanente de atividades.

Protagonismo - Foi com essa marca, de criatividade e disposição, que o serviço de promoção de qualidade de vida para soropositivos nasceu. Tudo começou como sugestão dos próprios usuários. Foram eles que estimularam a criação do grupo de vôlei, de caminhada e, mais tarde, da academia de musculação. “Catalisamos o desejo deles. Se não houvesse essa vontade, não haveria o trabalho”, revela o nutricionista Nabak. “Inicialmente parecia um absurdo (montar uma academia), algo muito distante do que temos nas unidades de saúde. Depois vimos que era uma proposta viável, com baixo custo para o tipo de retorno obtido”, complementa. Já passaram pelo serviço mais de 400 pacientes. Desses, 154 frequentam a academia atualmente.

Cuidado integral – O Ministério da Saúde incentiva e recomenda a adoção de alimentação saudável e a prática de atividades físicas. No guia “Alimentação e nutrição para pessoas que vivem com HIV e aids” , é possível obter dicas simples e práticas sobre como comprar, guardar e preparar os alimentos, higiene das comidas e cuidados para fortalecer as defesas do corpo.
O livro também explica como se alimentar em situações especiais – nos casos de alteração de peso, falta de apetite, constipação intestinal, diarreia, aumento de colesterol ou triglicérides, alterações ósseas e lipodistrofia. Para quem já toma antirretroviral, há uma seção dedicada às restrições alimentares decorrentes do uso de alguns medicamentos e os tipos de ervas que interagem com os remédios para a aids.

Uma série de três cartilhas, chamadas “Dicas Posithivas”, explicam didaticamente o que é a lipodistrofia, a importância do tratamento contra a aids e o que fazer para seguir uma dieta balanceada. No folder “10 passos para melhorar a qualidade de vida”, reforçam-se não apenas os tipos de alimentos mais saudáveis, como também a importância de comer com prazer e o que fazer para realçar o sabor dos pratos servidos à mesa.
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais lançou, em junho de 2012, a publicação “Recomendações para a prática de atividades físicas para pessoas vivendo com HIV e aids”, voltada para educadores físicos e equipe multidisciplinar. A ideia é que esses profissionais estejam aptos a receber os portadores de HIV no Programa Academia da Saúde.

Com esse material, foi realizada uma ação-piloto de treinamento para profissionais de educação física e nutrição nessas academias. Participaram da iniciativa as cidades de Belo Horizonte (MG) e Recife (PE), locais em que a rede de academias é bem estruturada. Foram treinadas mais de 300 pessoas. Com esse trabalho, a proposta do Ministério da Saúde é que as pessoas infectadas pelo HIV tenham mais acesso à prática de atividades físicas na rede pública.
Time de campeões


Além do benefício comprovado da prática de exercícios físicos para os pacientes de aids, o grupo de vôlei se consagrou em competições. Eles são tetracampeões da Olimpíada de Saúde Mental, campeonato estadual que conta com a participação de 2 mil pessoas, de diversos serviços de saúde. Desde que começaram a jogar, em 2007, nenhum outro time conseguiu ganhar deles. A equipe é composta por usuários do SUS e por dois profissionais de saúde.

Zélia Rocha, que vive com HIV há 20 anos, obteve inclusive o título de melhor jogadora (2011). Para ela, que perdeu o marido e a filha em consequência da aids, a conquista é um estímulo. “Nunca mais tive nada na vida e, por isso, um prêmio como esse é muito especial. Dá fôlego para continuar”, diz.

Com a experiência adquirida na Olimpíada, o Espaço CR passou a promover anualmente, desde 2008, o Torneio Posithivo. Nessa competição, de abrangência municipal, eles também ganharam todos os títulos. E, agora, estão sonhando mais alto: “queremos organizar uma olimpíada nacional”, conta Nacle Nabak.
Expectativa de vida dos soropositivos

Dobrou em 12 anos. Passou de 58 para 108 meses, no período de 1995 a 2007.

Triglicérides – É um tipo de gordura que forma 90% da reserva de energia do organismo e se deposita no tecido gorduroso e muscular. Fornece energia, preserva o calor do corpo e ajuda a absorver as vitaminas A, D, E e K. Mas, em grandes quantidades no sangue, pode indicar risco de doenças do coração. Devem-se evitar alimentos gordurosos, refrigerantes e doces em geral (carboidratos simples).

Lipodistrofia – Síndrome caracterizada por alterações na redistribuição da gordura corporal. Pode se manifestar como perda de gordura (lipoatrofia) nas pernas, braços, rosto e glúteo ou ganho de gordura (lipo-hipertrofia) no abdômen, mamas, parte superior das costas (giba) e na mandíbula (papada). A lipodistrofia parece ser causada por um somatório que engloba fatores genéticos, ação do próprio HIV e dos medicamentos antirretrovirais no organismo, sedentarismo e envelhecimento.

Movimento vital expressivo – Por meio do movimento, da música, do toque e relaxamento, busca a harmonia psicofísica. Trabalha com aspectos biomecânicos (muscular, articular, respiratório e de alongamento) e posturais, por meio de movimentos expressivos, posturas diferentes do repertório habitual - para sair dos circuitos repetitivos de conduta, tanto em nível das emoções quanto dos pensamentos.

Equipe multiprofissional – Fisioterapeuta, dentista, ginecologista, infectologista, enfermeiro, farmacêutico, nutricionista, psicólogo e psiquiatra.

Índice de massa corporal – Para fazer o cálculo do IMC basta dividir o peso em quilogramas pela altura ao quadrado. Um índice inferior a 18,5 corresponde a um peso abaixo do ideal. Entre 18,5 e 24,9 é a faixa do peso normal. Entre 25 e 29,9 há sobrepeso; 30 a 34,9 corresponde a um caso de obesidade grau I; 35 a 39,9 significa obesidade grau II e acima de 40 é obesidade grau III.

Grupo de Caminhada Atlética CR – Primeira atividade de qualidade de vida desenvolvida pelo Centro de Referência em DST e Aids de Campinas, iniciada em 2005. Nessa época também surgiu o grupo de vôlei.

Programa Academia da Saúde – Criado pela Portaria nº 719/2011, do Ministério da Saúde, tem como principal objetivo contribuir para a promoção da saúde da população geral, a partir da implantação de polos com infraestrutura, equipamentos e quadro de pessoal qualificado para a orientação de práticas corporais, atividades físicas, lazer e estilos de vida saudáveis.
Alguns problemas que as PVHA enfrentam atualmente

Síndrome metabólica – Conjunto de anormalidades metabólicas que aumentam o risco de doença cardiovascular e diabetes mellitus tipo II. É caracterizada, de forma geral, pelo aumento da circunferência abdominal (obesidade visceral); hipertensão arterial; hiperglicemia (níveis elevados de açúcar no sangue); hiperlipidemia (aumento dos níveis de triglicérides e do colesterol) e resistência à insulina.

Alterações ósseas – Osteoporose e osteopenia são alterações do tecido ósseo, caracterizadas pela diminuição da densidade mineral e comprometimento da resistência e da qualidade óssea, podendo levar a fraturas espontâneas. Também pode ocorrer a osteonecrose asséptica ou isquêmica, quando há comprometimento da vascularização do osso.

Doenças cardiovasculares – Afetam o sistema circulatório, ou seja, os vasos sanguíneos e o coração. Existem vários tipos de doenças cardiovasculares. Entre as mais comuns estão o infarto do miocárdio, a angina de peito e a aterosclerose.
O que fazer para prevenir ou tratar esses problemas
Exercícios físicos
- Alguns benefícios físicos:
Melhor funcionamento do coração e pulmões;
Músculos maiores e mais fortes;
Ossos mais fortes;
Maior coordenação e flexibilidade;
Maior resistência;
Sistema digestivo mais ativo e eficiente, resultando em maior aproveitamento dos alimentos e das medicações;
Diminuição dos níveis de colesterol e triglicérides.
- Alguns benefícios psicológicos:
Aumento da autoestima e do bem-estar;
Alívio do estresse;
Melhora do convívio social, da depressão e da ansiedade.
- Como praticar?
Em primeiro lugar, procurar sempre orientação de profissional qualificado.
A atividade física regular, em sessões de 30 a 45 minutos (de 3 a 4 vezes por semana), é excelente para exercitar o sistema cardiovascular. Exemplos: caminhada, bicicleta, dança, ginástica localizada, natação, hidroginástica, patins, futebol, basquete, musculação, bicicleta ergométrica e esteira.
As atividades do dia a dia podem ser consideradas ótimas atividades físicas. Descer e subir escadas ao invés de usar o elevador, varrer e arrumar a casa, levar o cachorro para passear, ir caminhando até a padaria, cuidar do jardim, descer do ônibus ou metrô uma parada antes são alguns exemplos de como aproveitar as atividades cotidianas para exercitar o corpo.
 Dança, jogos em grupo ou ioga são opções interessantes, que também favorecem fazer amigos.


Alimentação saudável
- Alguns benefícios:
Ajuda a absorção intestinal dos alimentos e dos remédios;
Diminui problemas provocados pela diarreia e outros efeitos colaterais dos medicamentos antirretrovirais.
- Como manter?
Fracionar a alimentação em três refeições e dois lanches ao dia.
Fazer alimentação balanceada, com cereais, carnes, leite, ovos, frutas, legumes e vegetais, e diminuir o consumo de gorduras saturadas.
Consumir: 1) alimentos ricos em ferro, tais como carne vermelha magra, legumes e vegetais de cor verde escura; 2) frutas e vegetais ricos em vitamina C (laranja, mamão, caju, acerola, kiwi, morango); 3) alimentos ricos em cálcio, como leite, coalhada, queijos, iogurtes, couve, gergelim, castanha-do–pará; 4) cereais integrais, como arroz, pão, aveia, trigo, quinua.
Tomar 2 litros de água ao dia, no mínimo.
Aumentar o consumo de líquidos, como água, sucos naturais ou água de coco, antes, durante e após a atividade física.
Mastigar bem os alimentos e procurar fazer as refeições em lugares tranquilos. Estabelecer horários fixos para as refeições.
Evitar a ingestão de grandes quantidades de café, chá preto, chocolate e alimentos com aditivos, como conservantes e corantes.
Procurar evitar o consumo de bebidas alcoólicas e cigarros.
Evitar praticar atividade física sem se alimentar.
Evitar o consumo de refrigerantes, doces, alimentos gordurosos e frituras em geral.
Por Daniela Brito
fonte: http://www.aids.gov.br

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